Queda no segundo trimestre pode ter sido a pior dos últimos 50 anos, diz economista. Dados sinalizam que abril foi o pior mês da crise atual

Três anos depois de passar pela pior crise econômica de sua história, o Brasil entrou em recessão novamente no primeiro trimestre de 2020.

Esta foi a conclusão do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da Fundação Getulio Vargas, criado em 2004 com o objetivo de determinar uma cronologia de referência para os ciclos econômicos do país.

A série elaborada pelo comitê começa em outubro de 1980, ano em que o país vivia uma recessão. De lá para cá, foram 9 no total, sendo a mais longa a que se estendeu entre março de 2014 e dezembro de 2016 — 33 meses.

Um dos critérios para a identificação de uma recessão é ocorrência de dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto (PIB) — o que configura a chamada recessão técnica. Mas ele não é o único: o comitê leva em consideração uma série de fatores, como a retração disseminada da atividade em um amplo espectro de setores, como é o caso atual.

Segundo a economista Marcelle Chauvet, que é um dos 8 membros do Codace, o comitê analisa diferentes séries mensais e trimestrais, agregadas e setoriais, de produção, renda, emprego, vendas, por exemplo, para avaliar a situação da economia.

“Como a queda foi muito acentuada em quase todas, essa recessão está bem caracterizada desde cedo”, disse a professora titular da Universidade da Califórnia à BBC News Brasil.

No primeiro trimestre, o PIB encolheu 1,5%, quando captou apenas os primeiros efeitos da pandemia de covid-19 sobre a economia. As projeções para o segundo trimestre indicam que a queda deve se aprofundar para algo em torno de 10%.

Segundo Chauvet, ela seria a pior dos últimos 50 anos, pelo menos – já que não se sabe como foi a retração durante a Grande Depressão de 1929.

‘Ficar no poço’

Até o momento, abril foi o pior mês do atual ciclo, “um mês de tombos históricos em todos os principais indicadores da atividade econômica”, como destacou no último Boletim Macro a equipe do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV).

A produção da indústria de transformação recuou expressivos 31,3% em relação ao mesmo mês de 2019, as vendas no comércio varejista ampliado (que inclui veículos e material de construção) retraíram 27,1%, na mesma comparação, e os serviços, 17,3%.

Os dados referentes a maio e junho ainda não foram divulgados pelo IBGE, mas indicadores antecedentes — como dados sobre vendas de cartões de crédito, vendas de veículos ou fluxo nas estradas pedagiadas — sinalizam alguma melhora.

Assim, tecnicamente, o “fundo do poço” teria acontecido em abril – como destacou o Banco Central na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Essa informação, entretanto, não é tão simples de se interpretar em uma recessão como a atual, avalia Chauvet. Como a queda foi muito intensa, podemos ter chegado ao fundo do poço, diz ela – mas não necessariamente estamos saindo do atoleiro.

“Vamos ficar no poço por um tempo”

A duração da recessão, em sua avaliação, vai depender dos desdobramentos da pandemia. Se houver segundas e terceiras ondas de contágio, por exemplo, ou avanços com relação a medicamentos e vacinas.

“Pode haver uma pequena recuperação no terceiro trimestre, mas só porque a queda foi muito grande no segundo. Então a recuperação seria para níveis de recessão menos profunda, não uma recuperação econômica para expansão”, destaca a pesquisadora.

Essa seria uma retomada com formato parecido com o de um “W”, mas com algumas pernas “tortas”: uma queda forte, seguida de um crescimento e decréscimo pequenos no meio – não necessariamente da mesma magnitude.

O ritmo de recuperação é um fator fundamental porque, ainda que o “fundo do poço” tenha ficado para trás, a velocidade da retomada pode abreviar ou estender os efeitos negativos da recessão para a população em geral – a sensação de crise propriamente dita.

O Ibre-FGV espera uma recuperação “muito gradual” no segundo semestre, que levaria o PIB de 2020 a uma queda de 6,4%. Nesse cenário, a taxa de desemprego se elevaria para uma média de 18,7% e a massa de rendimentos – grosso modo, o volume de recursos disponível para o consumo —, reduziria 9%.

A MCM Consultores, que estima uma retração de 7% do PIB neste ano, destaca que o mercado de trabalho é um dos fatores que devem desacelerar a recuperação, tanto pelo impacto direto quanto indireto, já que o medo de perder o emprego acaba fazendo com que parte dos que ainda estão empregados gastem menos.

Em relatório, a consultoria destaca que o consumo pode ganhar fôlego caso algumas mudanças recentes de hábitos da população, como uso maciço de máscaras, perdurem pelos próximos meses e consigam conter o avanço da doença, que ainda não está controlada.

“Porém, é igualmente possível que o receio de contaminação mantenha as pessoas em casa, mesmo com a reabertura dos serviços não essenciais”.

A crise política, acrescentam, tende a jogar contra o investimento – turbulências em Brasília costumam fazer com que empresários e investidores prefiram deixar os projetos na gaveta.

O Bradesco, que tem uma estimativa mais “otimista” para a queda do PIB em 2020, de 5,9%, ressaltou em relatório divulgado na última sexta que “o pior momento para a atividade doméstica parece ter ficado para trás”, diante dos indicadores antecedentes melhores de maio e junho e da reação dos índices de confiança.

A equipe do banco lista, entre as “dúvidas que podem limitar uma recuperação mais intensa”, o comportamento do número de casos após os primeiros testes de reabertura, a incerteza sobre a reação da economia depois de esgotados os estímulos emergenciais e o aumento da dívida pública e privada, que tende a diminuir a renda disponível de empresas, famílias e governos.

Com informação BBC News Brasil

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