Marcelo Aith*

Além das constantes agruras que a população brasileira tem passado com o Covid-19, quer pelo avanço da doença, quer pelo desserviço do Chefe máximo da nação, que insiste no negacionismo do isolamento, há uma outra importante questão que poderá afetar diretamente que são as eleições locais.

A eleição, com a pandemia descontrolada como está hoje, corre severo risco de não ocorrer no dia 4 de outubro de 2020. Caso haja a necessidade do adiamento, o que deve ser feito jurídica e politicamente pelo Congresso Nacional para que possa ocorrer a prorrogação da data?

Inicialmente, para que se possa falar em alteração da data das eleições municipais, o Congresso Nacional, por emenda constitucional, teria que alterar o artigo 29, II, da Constituição da República, o qual determina que o pleito será realizado no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato.

No entanto, alterando este dispositivo constitucional, inexoravelmente, teríamos que alterar o artigo 16 da Lei Suprema, que traz a regra da anualidade do processo eleitoral, suprimindo este regramento que tem a seguinte redação: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Cumpre fazer uma indagação: o artigo 16 da Constituição pode ser alterado por emenda constitucional? O Supremo Tribunal Federal (STF), ao examinar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3685/DF, declarou inconstitucional emenda constitucional que visou alterar o artigo 16, suprimindo a regra da anualidade, por ser cláusula pétrea.

Portanto, a Excelsa Corte, caso provocado para tanto, terá que decidir se mantém a posição exarada na ADI nº 3685/DF, julgada em 2006, ou diante da situação excepcional reveja seu entendimento, em evidente ativismo judicial.

Mas não é só, não podemos olvidar que durante o processo eleitoral há etapas que devem ser observadas, como o período para convenções partidárias e registros das candidaturas, constantes do artigo 8º, “caput” e do artigo 11, ambos da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997. O artigo 8º preconiza que as escolhas dos candidatos ocorrerão entre 20 de julho a 5 de agosto e o registro dos candidatos escolhidos nas convenções vai até o dia 15 de agosto de 2020.

Considerando que estamos no início do mês de maio e, segundo os médicos infectologistas e sanitaristas, estamos longe do atingimento do momento crítico da pandemia, que levará, inevitavelmente, ao isolamento pleno e irrestrito (lockdown), como serão mantidas as datas do processo eleitoral?

O Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou, em entrevista, que a Justiça Eleitoral precisa começar, até junho, os testes das urnas eletrônicas. Caso contrário, será preciso adiar as eleições municipais – o primeiro turno está marcado para 4 de outubro. Implicitamente o futuro Presidente do TSE estabeleceu uma data fatal para decidir se haverá ou não a prorrogação das eleições.

Uma questão urge: haverá tempo suficiente para as alterações normativas caso haja necessidade de prorrogação da data das eleições de 2020? O Congresso Nacional conseguirá a “toque de caixa” alterar a Constituição da República e a lei de regência das eleições?

Não se pode olvidar que a alteração da Constituição Federal demanda quórum especial, votação em dois turnos e em ambas as casas legiferantes (“A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”).

Portanto, não será uma tarefa fácil, mesmo porque estamos diante de um governo que insiste em criar crises institucionais com o Congresso Nacional, como o ocorrido no último dia 3 de maio, em que o presidente da República, abertamente, apoiou atos contrários as demais Poderes da República.

Na hipótese de a pandemia se arrastar por mais tempo do que o previsto, fato que não está longe de acontecer diante da baixa adesão ao isolamento social, bem como da iminência do colapso do sistema de saúde pública e as eleições não forem realizadas até 31 de dezembro, como ficarão os detentores de mandatos municipais? Haverá a prorrogação automática dos mandatos ao arrepio da constituição até a realização das eleições? Ou mesmo a possibilidade de os mandatos serem prorrogados até 2022, como postulado pela Confederação Nacional dos Municípios – CNM, instituição que congrega milhares de municípios no país?

Esse estado de calamidade mundial, por óbvio, não estava previsto na Constituição, não havendo, dessa forma, previsão que disciplinasse este cenário caótico. Algumas leis orgânicas municipais estabeleceram a linha sucessória na hipótese de vacância dos cargos de prefeito, vice e vereadores, como a do Rio de Janeiro, a qual atribuiu a missão ao Presidente do Tribunal de Contas do Município, porém dispõe que as eleições devem ser realizadas 30 dias após a vacância (art. 103, §2º, da LOM -RJ). Por outro lado, capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, dentre outras não descem a essa minudência normativa.

Não podemos olvidar que a Constituição da República tratou da linha sucessória presidencial, consignando que na hipótese de vacância de todos os cargos eletivos, quem assumiria provisoriamente seria o Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Poderíamos adotar, excepcionalmente, tal regramento nesse momento de exceção e transferir essa missão aos magistrados? Seria no mínimo inusitado assistir a este momento histórico! Melhor seria se algum representante do Ministério Público assumisse essa “batata quente”, para sentir na carne o que é ser prefeito nos dias de hoje.

*Advogado especialista em Direito Penal e Direito Público e professor de Pós-Graduação na Escola Paulista de Direito

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