Uma revisão nas regras de divisão de recursos e deveres entre União, estados e municípios podem reequilibrar as contas públicas

Nestes últimos meses de 2019, governo e Congresso intensificaram as discussões em torno do chamado pacto federativo. O tema já aparecia durante a campanha eleitoral do ano passado, mas ainda está nas fases iniciais de tramitação na Câmara e no Senado.

Governadores e senadores debatem proposta de pacto federativo

O que é?

A fala recorrente dos últimos meses, de revisão ou mudanças no pacto federativo, não se refere a um projeto específico, mas sim a uma série de medidas previstas em lei que dividem receitas e deveres entre União, estados e municípios.

O atual pacto federativo foi estabelecido pela Constituição de 1988 e vem sendo modificado desde então por meio de emendas.

Uma demonstração de como funciona é na divisão de impostos. Por exemplo:

IPTU: imposto municipal

ICMS: imposto estadual (mas uma parcela é dividida com municípios)

IPI: imposto federal (mas uma parcela é dividida com os estados)

A partilha das responsabilidades é feita por áreas. Na segurança pública, por exemplo:

União: responsável por defender os órgãos do governo, pelo policiamento das fronteiras, pelo combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas, entre outras atribuições.

Estados: responsáveis pelo policiamento ostensivo nas ruas, pelas polícias militar e civil.

Municípios: responsáveis pela instalação de equipamentos como iluminação e câmeras. Têm a competência para criar guardas municipais.

Portanto, quando se fala em mudar o pacto federativo, a intenção é alterar a maneira como União, estados e municípios arrecadam dinheiro, e também as responsabilidades de cada um deles.

“Sempre que você mexe na tributação, na atribuição de competências, você está mexendo no pacto federativo. Sempre que você mexe nas políticas públicas, quem é responsável pelo que e como distribui recursos, está mexendo no pacto federativo. É um assunto na prática muito vasto”, explicou a professora Marta Arretche, do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).

O pacto federativo e as contas dos estados

Dentre as medidas do chamado pacote do pacto federativo, estão ações já transformadas em projetos e que avançaram na Câmara ou no Senado, mas há outros temas ainda em negociação ou com tramitação estagnada.

Megaleilão do petróleo – Depois de idas e vindas, deputados e senadores chegaram a um entendimento sobre a divisão de recursos entre União, estados e municípios do megaleilão do petróleo da Bacia de Santos, previsto para 6 de novembro e que deve render pelo menos R$ 106,5 bilhões aos cofres públicos. De acordo com texto aprovado pela Câmara na última quarta-feira (9), R$ 10,95 bilhões vão para estados; outros R$ 10,95 bilhões, para municípios; e R$ 2,19 bilhões, para estados próximos às jazidas de petróleo. O governo federal ficará com R$ 48,9 bilhões e o restante (R$ 33 bilhões) vai para a Petrobras. O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

Precatórios – Outra medida que integra o conjunto de propostas foi aprovada na última quarta no Senado e seguiu para a Câmara dos Deputados. Trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga o prazo para que estados e municípios paguem precatórios. Precatórios são cobranças de dívidas do poder público por pessoas físicas ou empresas após condenação judicial definitiva. São débitos cobrados dos órgãos públicos federais, estaduais, municipais ou distritais. O texto aprovado pelos senadores transfere o prazo para quitação dos débitos de 31 de dezembro de 2024 para 31 de dezembro de 2028. A prorrogação por quatro anos não vale, contudo, para precatórios de natureza alimentar, derivados de processos sobre salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários (aposentadorias) e indenizações por morte e invalidez. Com o adiamento do prazo, estados e municípios poderão postergar gastos.

Securitização – Outra demanda de estados e municípios é a proposta que permite aos entes federados vender recebíveis a instituições financeiras privadas, por um preço menor, a chamada securitização de dívida. O texto já foi aprovado pelo Senado em 2017 e aguarda análise pela Câmara dos Deputados. Defensores da proposta dizem que a medida resultará na entrada de recursos nos cofres públicos. Críticos afirmam que, por causa do desconto, estados e municípios estariam abrindo mão de receitas com a securitização.

Plano Mansueto – Está parada na Câmara uma proposta da equipe econômica do governo que tem o objetivo de viabilizar a concessão de empréstimos a estados e municípios endividados. O plano, que recebe o nome do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, prevê socorro financeiro a estados e municípios desde que os governos adotem medidas de ajuste fiscal, como autorização para privatização de empresas públicas.

Lei Kandir – Alterações relacionadas à Lei Kandir, criada em 1996, também estão em debate pelos parlamentares. A fim de aumentar a competitividade de produtos brasileiros no exterior, a Lei Kandir reduziu a arrecadação dos estados ao prever casos de isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre alguns itens destinados à exportação. Para compensar as perdas, a lei obriga a União a ressarcir os estados. Mas isso não tem acontecido regularmente. Uma das propostas em análise aumenta o valor dos repasses anuais aos estados. Outra hipótese seria a extinção da lei, o que autorizaria estados exportadores a definir a cobrança de ICMS incidente nas exportações.

Reforma tributária – Câmara e Senado discutem alterações nas regras tributárias, que também podem ser enquadradas no contexto das propostas de revisão do pacto federativo. Basicamente, essas propostas buscam a simplificação do sistema tributário brasileiro, considerado um dos mais complexos do mundo. Os dois textos preveem alteração na forma de cobrança de impostos, com substituição de tributos, mas sem redução de carga. Os projetos também alteram a forma de distribuição dos recursos. No Senado, até mesmo parlamentares favoráveis à reforma tributária consideram difícil que a proposta prospere ainda neste ano. Um dos empecilhos é o fato de os senadores estarem debruçados sobre a reforma da Previdência.

Por que revisar o pacto?

A revisão do pacto federativo busca encontrar soluções para o “forte estresse fiscal” que vivem União, estados e municípios. Recursos que hoje são controlados pela União devem passar para estados e municípios, desde que sejam obedecidas algumas condições, como proibição de aumento de despesa com pagamento de servidores.

Serão medidas que impactam os estados e municípios. Transferência de recursos, que hoje estão com a União, serão transferidos para os estados e municípios, mas condicionados ao seu uso. Não ter aumento de dispêndio com pessoal ativo e inativo, e despesas de custeio.

Para a professora Marta Arretche, a discussão deve levar em conta a redistribuição de responsabilidades entre as três esferas de poder (federal, estadual e municipal).

“A gente tem que pensar a distribuição de recursos e de gastos à luz das responsabilidades que cada um tem. Essa discussão não pode ser pensada separadamente. Acho que municípios brasileiros têm muitas responsabilidades. Municípios são responsáveis pelo ensino infantil e fundamental 1, são responsáveis pela saúde básica, pelo transporte público, pelo desenvolvimento urbano, pela iluminação pública. Os recursos nunca são suficientes em lugar nenhum. Mas esse problema, para ser pensado seriamente, tem que ser pensado à luz das responsabilidades que os municípios têm”. Marta Arretche.

Os defensores da reformulação do pacto costumam repetir a frase “Mais Brasil e menos Brasília”, numa referência à necessidade de descentralizar os recursos e a execução das políticas públicas.

 O professor Rogério Fragelli, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, disse que, muitas vezes, essa frase visa somente a parte do dinheiro.

“No Brasil, toda vez que se fala em ‘Mais Brasil e menos Brasília’, o pessoal só está pensando no dinheiro, não está pensando nas obrigações”, afirmou.

Ele disse ainda que não houve um aumento de concentração de receitas nas mãos da União. De acordo com o professor, a arrecadação do governo federal aumentou porque também aumentaram os gastos.

“A Constituição de 1988 criou impostos, criou despesas, sendo que boa parte destas despesas são de nível federal. Os gastos sociais do governo federal nas últimas três décadas aumentaram 6% acima da inflação. É a Previdência, com o envelhecimento da população, e soma-se a isso o fato de Previdência pagar como benefício um salário mínimo, que cresceu acima da inflação do Plano Real para cá. Tem seguro desemprego, tem LOAs (lei orgânica da assistência social)”, explicou o professor.

“Se você olhar, do total arrecadado no país como um todo, a parcela do governo federal vem aumentando, mas aumenta porque o governo federal é que ficou com essas despesas sociais”, concluiu.

Informação G1

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