Os efeitos da possibilidade da vitória do republicano já vinham causando impacto na economia mundial

Para analistas ouvidos pela reportagem, o principal impacto da chegada de Donald Trump à Presidência dos EUA na América Latina deve dar-se, no curto prazo, no México e em Cuba. Para o resto do continente, o impacto será mais econômico, caso o presidente eleito siga com um discurso de defesa do protecionismo.

“Para ser coerente com seus discursos de campanha, penso que, logo ao assumir, Trump deve adotar políticas populistas com relação ao tema da imigração. Como consequência, isso pode causar um aumento da tensão na fronteira, e entre mexicanos-americanos assustados com a possibilidade de deportação”, diz o jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, especializado em América Latina.

O sociólogo mexicano Jorge Zepeda Patterson concorda. “Se a expulsão de imigrantes, a construção do muro e o fim do Tratado de Livre Comércio começarem a se desenhar como propôs Trump, haverá impactos brutais na política e na economia mexicanas.”

Não é por menos que o presidente Enrique Peña Nieto convocou, ainda na noite de terça (8), uma reunião de emergência para armar uma estratégia caso Trump de fato queira rever a relação de comércio bilateral, hoje essencial para a economia de ambos os países.

Porém, os efeitos da possibilidade da vitória do republicano já vinham causando impacto na economia do México, com uma forte desvalorização do peso (25% em um ano) e a tendência de queda ainda maior nos próximos dias. Para Raúl Feliz, do Centro de Investigação e Docências Econômicas, “se as palavras de Trump se transformam em fatos, virá uma catástrofe”, disse ao jornal “El País”.

Já o analista chileno Guillermo Holzmann vê Trump como uma ameaça à economia não apenas do México, mas de todos os países que compõem a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, México e Colômbia). “Trump é um protecionista e verá os interesses econômicos dos EUA em primeiro lugar, revendo tratados de livre-comércio com países e com blocos. Para um país como o Chile, que vive desse tipo de política, que o novo presidente americano sugira uma linha protecionista como tendência para o comércio mundial será negativo para economias do bloco e da região”, disse.

CUBA

No caso de Cuba, tanto Jon Lee Anderson como o escritor e colunista da Folha de S.Paulo Leonardo Padura transmitiram preocupação com um possível retrocesso na reaproximação dos EUA com este país.

“É o que mais se teme na ilha”, disse o escritor cubano, que está em São Paulo dando palestras. Porém, completa esperançoso: “Por sorte, Obama deu muitos passos adiante nesse assunto e talvez seja um processo que já não esteja mais nas mãos apenas do presidente”, conclui.

O especialista em relações internacionais Juan Gabriel Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires, concorda. Para ele, o destino da questão cubana passa pela construção do laço entre Trump e a maioria republicana no Congresso.

“O levantamento do embargo e o que ocorrerá com Guantánamo estão hoje mais nas mãos do Parlamento, que é de maioria republicana, mas que ainda não definiu como será sua relação com o presidente eleito. Portanto, creio que essas questões só serão definidas assim que saibamos em que base se construirá a relação entre Trump e sua base no Congresso”, diz Tokatlian.

COLÔMBIA

Já analistas do processo de paz na Colômbia veem com preocupação a chegada de Trump à Casa Branca. Enquanto Barack Obama vinha dando total apoio a uma saída negociada do conflito entre o Estado e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), é possível que Trump, por seu discurso agressivo contra o terrorismo, prefira um retorno à defesa do confronto bélico com a guerrilha, que os EUA já apoiou em gestões de presidentes colombianos anteriores.

Também preocupa o fato de que Obama havia prometido uma ajuda de US$ 450 milhões para o chamado “pós-conflito”, período que viria depois da referendação do acordo de paz, algo que ainda não ocorreu e que não se sabe se será mantido quando e se o novo acordo for aprovado.

“Creio que Juan Manuel Santos é um político muito pragmático e provavelmente saberá como apresentar a Trump em que ponto está o processo e de fazer com que o apoio dos EUA não mude. Mas, obviamente, não se deve subestimar a habilidade do ex-presidente Álvaro Uribe [defensor do “não” ao acordo], com quem Trump teria mais afinidade de discurso. Uribe obviamente irá tentar trazê-lo para seu lado”, diz Anderson.

VENEZUELA

Com relação à Venezuela, Tokatlian pensa que Trump não assumirá, num primeiro momento, uma postura de confronto, uma vez que os diálogos entre governo e oposição, mediados pelo Vaticano, têm apontado para uma possível nova eleição no primeiro semestre do ano que vem.

“Se o caminho for esse mesmo, não creio que Trump queira adotar uma postura agressiva nesse front, até porque é uma situação muito delicada e perigosa, que não trará benefícios diretos aos EUA. Creio que parecerá mais prudente, para ele, que o conflito se resolva entre os venezuelanos”, diz Tokatlian.

Anderson é mais cético. “Por ser mais combativo por natureza, é possível que Trump não veja esse debate de modo tão suave e queira interferir. Mas é cedo para saber, é preciso esperar.”

FLÓRIDA

Para Tokatlian, a imprensa errou ao caracterizar o voto latino como automaticamente pró-democratas. “Na Flórida, especialmente, há cubanos que não estavam satisfeitos com o fato de Obama não ter sido mais duro com Fidel Castro, há venezuelanos que queriam que os EUA pressionassem mais Maduro e colombianos contra as negociações de paz com as Farc. Imaginar que o voto latino não iria, pelo menos em parte considerável, para o candidato republicano mostrou-se algo equivocado.”

ILUMINISMO EM CRISE

Para o analista e jornalista britânico John Carlin, que havia escrito no “El País” o artigo “2016 – o Ano em que Vivemos Estupidamente”, relacionando o brexit com a vitória do “não” na Colômbia e com a ascensão de Trump, a confirmação de sua vitória significa que entramos “definitivamente na época da pós-verdade, em que mentir de forma desavergonhada premia os que o fazem”, como disse.

Para Carlin, foi a mensagem mentirosa, mas embalada de forma eficiente e potencializada pela polarização das redes sociais, que promoveu a vitória do “leave” no Brexit, a do “não” na Colômbia e agora a chegada de Trump à Casa Branca.

“Trump é um mentiroso, e isso funcionou para ele como a mentira funcionou para Boris Johnson no Reino Unido e para Uribe, na Colômbia.”

E completou: “Vivemos num mundo em que o Iluminismo está em crise, e o conhecimento, cada vez mais em baixa. Só isso explica esses resultados”. 

Com informações: Folhapress.

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