Acusada de irregularidades e pagamento de propina,
a construtora Delta, uma das maiores do país, agoniza. A empreiteira de
Cavendish é dona da maior fatia das obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) e tem contratos avaliados em cerca de 4 bilhões de reais com
23 dos 27 governos estaduais. Todo esse império começou a ruir desde que a
Delta foi pilhada no epicentro do escândalo envolvendo o contraventor Carlos
Cachoeira. Se os segredos de Cachoeira são dinamite pura, os de Cavendish
equivalem a uma bomba atômica.

Nos bastidores, seu dono ameaça revelar
segredos que
comprometeriam políticos e outras
grandes empreiteiras.

É
absolutamente previsível a explosão que pode emergir de uma apuração minuciosa
envolvendo as relações de uma grande construtora, no caso a Delta Construções,
e seus laços financeiros com políticos influentes. A empreiteira assumiu o
posto de líder entre as fornecedoras da União depois de contratar como
consultor o deputado cassado José Dirceu, petista que responde a processo no
Supremo Tribunal Federal (STF) no papel de “chefe da organização
criminosa” do mensalão. Além disso, consolidou-se como a principal
parceira do Ministério dos Transportes na esteira de uma amizade entre seu
controlador, Fernando Cavendish, e o deputado Valdemar Costa Neto, réu no mesmo
processo do mensalão e mandachuva do PR, partido que comandou um esquema de
cobrança de propina que floresceu na gestão Lula e só foi desmantelado no ano
passado pela presidente Dilma Rousseff.
Na semana passada, a CPI do Cachoeira aprovou a
convocação de 51 pessoas e 36 quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico.
Os números foram festejados pela cúpula da comissão como prova inconteste da
disposição dos parlamentares para investigar os tentáculos da máfia da jogatina
nos partidos políticos, na seara das empreiteiras e na administração pública.
Sob essas dezenas de votações, no entanto, esconde-se a operação patrocinada
pelo ex-presidente Lula e alguns políticos para impedir que a bomba atômica de
Cavendish seja detonada. A estratégia é enaltecer as convocações e quebras de
sigilo relativas a empresas e personagens já fartamente investigados pela
Polícia Federal. Assim fica mais fácil despistar as manobras para evitar que
Cavendish conte tudo — mas tudo mesmo — o que sabe sobre como obter obras
públicas pagando propinas a pessoas com poder de decisão nos governos.
Investigar a Delta, aliás, foi considerada a tarefa prioritária pelos próprios
delegados da Polícia Federal que prestaram depoimento à CPI. Eles disseram que
desvendar os mecanismos subterrâneos de concessão de obras públicas no Brasil
seria o maior legado da CPI.
Deflagradas pela Polícia Federal, as operações
Vegas e Monte Carlo revelaram o envolvimento do contraventor Carlos Cachoeira
com políticos como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e Cláudio Abreu,
ex-diretor da Delta na Região Centro-Oeste. Entre outras atividades, o trio
agia para abrir os cofres dos governos estaduais e federal à empresa. Para
tanto, ofereceria propina em troca de contratos. A PF colheu indícios desse
tipo de oferta criminosa, por exemplo, em Goiás e no Distrito Federal. Foi com
base nessa delimitação geográfica que os petistas defenderam uma investigação
sobre a atuação da empreiteira apenas na Região Centro-Oeste — tese que saiu
vitoriosa na semana passada. “Não há conversa gravada do Cachoeira com o
Fernando Cavendish. A CPI não pode se transformar numa casa de espetáculo”,
bradou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). “A generalização beira a
uma devassa”, reforçou Paulo Teixeira (PT-SP). Os petistas cumpriram à
risca as ordens dadas por Lula um dia antes, quando ele esteve em Brasília para
a cerimônia de instalação da Comissão da Verdade. A ordem foi calar Cavendish.
Mas o correto é o contrário.
O ex-presidente sabe do potencial de dano ao PT e a
seus aliados caso Fernando Cavendish conte como a sua Delta conseguia seus
contratos de obras e, em troca, pagava políticos. Numa conversa gravada com
ex-sócios, Cavendish os incentivou a cortar caminho para o sucesso comprando
políticos. Na tabela da corrupção da Delta, um senador, por exemplo, custaria 6
milhões de reais. A Delta tem obras contratadas por governadores pertencentes
aos maiores partidos do país — PT, PSDB e PMDB. Será que essa onipresença da
Delta explica as razões pelas quais a CPI decidiu não chamar para depor os
governadores Agnelo Queiroz (PT-DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Sérgio Cabral
(PMDB-RJ)? O deputado Vaccarezza deu a resposta. “A relação do PMDB com o
PT vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu”,
escreveu em idioma parecido com o português o deputado Vaccarezza numa mensagem
de celular destinada ao governador Sérgio Cabral. Captada pelas câmeras de
televisão do SBT, a mensagem revela de forma inequívoca o grande arranjo para
calar o dono da Delta, amigo íntimo de Cabral. Portanto, é bom repetir a
palavra de ordem que pode salvar a CPI do fracasso.
Nos bastidores, Cavendish tem falado. E muito. Ele
usou interlocutores de sua confiança para divulgar suas mensagens. Uma delas
foi endereçada aos políticos. Seus soldados espalharam a versão de que a
empreiteira destinou cerca de 100 milhões de reais nos últimos anos para o
financiamento de campanhas eleitorais — e que o dinheiro, obviamente, percorreu
o bom e velho escaninho dos “recursos não contabilizados”. Uma
informação preciosa dessas deveria excitar o ânimo investigativo da CPI do
Cachoeira. Os mensageiros de Cavendish também procuraram solidariedade na
iniciativa privada. A arma foi ressaltar que o caixa dois da Delta, que serviu
para financiar campanhas, segue um modelo idêntico ao de outras empreiteiras,
inclusive usando os mesmos parceiros para forjar serviços e notas fiscais
frias. A mensagem é: se atingida de morte, a Delta reagiria alvejando gente
graúda. Como o navio nazista Bismarck, a Delta afundaria atirando. Faria,
assim, um bem enorme ao interesse coletivo, mas seria mortal aos interesses
privados. Os mensageiros de Cavendish têm espalhado que a mesma empresa
fornecedora de notas frias da qual sua construtora se servia abastecia outras
duas grandes empreiteiras. São essas ameaças, somadas à coloração
suprapartidária dos contratos firmados, que azeitam a blindagem da Delta. Como
saber se Cavendish está apenas blefando em uma clássica operação de controle de
danos? Levando-o à CPI.
Desde a eclosão do escândalo, a Delta foi forçada a
deixar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
encomendadas pela Petrobras, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol),
sob responsabilidade do Ministério dos Transportes. A polêmica sobre o destino
da empreiteira pôs a presidente e o antecessor em rota de colisão pela segunda
vez em menos de dois meses. Lula patrocinou a criação da CPI do Cachoeira ao
considerá-la uma oportunidade de desqualificar instituições que descobriram,
divulgaram e investigaram o esquema do mensalão, como a imprensa, o Ministério
Público, o Judiciário e a oposição. Logo após a abertura da CPI, Fernando
Cavendish passou a negociar a empresa com o grupo J&F, cujos donos eram
parceiros preferenciais do governo Lula. A venda foi orquestrada pelo
ex-presidente. O papel de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos
oito anos de mandato do petista e atual CEO do J&F, na manobra ainda não
está claro. Meirelles não comenta, mas sabe-se que ele, desde os tempos de BC,
não assina nada que não tenha a chancela de seus advogados particulares.

O J&F tem 35% de suas ações nas mãos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). Mais que isso. Tomou emprestados mais de 6 bilhões
de reais no banco. É, portanto, uma empresa semiestatal. Por meio de
assessores, a presidente Dilma Rousseff deixou claro que seu governo não apoia
a encampação da Delta pelo grupo J&F. A contrariedade de Dilma foi
explicitada pela decisão das estatais de tirar a Delta de obras do Dnit e da
Petrobras. Dilma determinou à Controladoria-Geral da União (CGU) que declare a
empreiteira inidônea e, portanto, proibida de fechar contratos com a União.
“O governo fará tudo o que estiver a seu alcance para esse negócio não
sair”, diz um auxiliar da presidente. Quem conhece Fernando Cavendish
mais de perto garante que ele nem de longe vestiria o traje de homem-bomba. Mas
como ter certeza de que tem potencial explosivo ou apenas quer minimizar os
ataques a ele e a sua empresa? Levando-o à CPI. Vamos lá, coragem.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here