Por: Kayo César Araújo da Silva

(H)A (in)constitucionalidade do adiamento das eleições municipais (?)

A expansão agressiva e violenta gerada pela transmissão comunitária do novo Coronavírus desafia os Poderes da República a procurar soluções às situações complexas impostas pelo Sars-CoV-2 ao povo brasileiro que sofre, até a data do dia 17 de maio, pouco mais de 16 mil mortes.

Nesse ambiente de pandemia, inúmeros questionamentos seguem sendo feitos com relação a realização das eleições municipais. Muitas das soluções foram sugeridas pela política, mas, n’um número elevado das opções, ficou evidenciado o pouco apreço pelas regras do texto constitucional.

As eleições municipais, compreendidas, em resumo, em quatro em quatro anos a ser realizadas no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao termino da eleição, acaba atraindo, para qualquer discussão desse tipo, a viabilização da alteração da data por meio de Emenda à Constituição.

Para outros eleitoralistas, a modificação da data acabaria por esbarrar no princípio da anterioridade eleitoral, uma vez que, segundo eles, a aplicação da legislação na sistemática eleitoral exigiria que a publicação da referida Emenda Constitucional ocorresse um ano antes da data da eleição.

A despeito dos que registram a constitucionalidade do impedimento, entende-se, respeitando o posicionamento divergente, que a solução não esbarraria nessa aparente limitação.

Segundo a mais abalizada doutrina, a Constituição Federal “(…) converte o princípio geral da segurança jurídica em uma regra de segurança jurídica eleitoral, isto é, (…) de não surpresa no processo eleitoral” (GUEDES, 2018, p. __), protegendo, assim, o processo eleitoral de sofrer, em sua essência, alterações casuísticas que acabem por beneficiar uns prejudicando outros, ao criar um ambiente produtos de desigualdades um ano antes da eleição.

O que se tem, aqui, é a necessidade premente de possibilitar num ambiente democrático, um processo eleitoral que não crie, de maneira casuística, limitações ao exercício livre do direito de votar e ser votado e que privilegie a normalidade e a legitimidade destas eleições.

É, nesse sentido, que o artigo 16 do texto constitucional veio a ser alterado pela Emenda Constitucional nº 04/93, segundo a qual trazia, em sua justificação, a necessidade de tempo mínimo para privilegiar o interesse na normalidade do pleito, evitando, assim, que “(…) às vésperas de eleições, se estabelecem casuísmos prejudicando, muitas vezes, a própria legitimidade” .

Esse entendimento que exige, não só o tempo mínimo, como, também, a necessidade de proteger a normalidade e a legitimidade do pleito eleitoral, é replicado de maneira adequada pelos tribunais eleitorais quando exigem, ao aplicar o dispositivo, o devido respeito ao sentido substancial da Democracia, pela qual se revelaria “(…) a igualdade, a imparcialidade (= a aplicação indistinta da norma a todos os candidatos) e a não surpresa” (GOMES, 2017, p. 331) na disputa ao cargo público.

Em palavras distintas, a Constituição Federal de 1988, passando pela tese já pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, replicada em diversos precedentes nos tribunais eleitorais, só exigirá o tempo mínimo de 1 ano da data da eleição quando fosse deflagrado, na alteração legislativa, a quebra normalidade e da legitimidade das eleições. Não sendo aferido esse requisito, por decorrência lógica, a imposição do tempo mínimo acaba sendo afastada.

Por não possuir elementos concretos que esclareçam até onde (e quando) o cenário de pandemia vai, fica claro a prematuridade da discussão da tese que pede adiamento das eleições municipais, mas, tentando antecipar a discussão, é percebido, após curta reconstrução histórica e jurisprudencial da norma constitucional, que a alteração da data da eleição não modificaria as regras do jogo democrático para um grupo dos players, sejam eles eleitores ou candidatos, fator, este, que acaba por não atrair o peso do tempo previsto no princípio da anterioridade eleitoral. Ao se alterar a eleição, a regra muda para todos (para o bem e para o mal). Eis a chave para questão!

Não se pode, em respeito ao princípio da periodicidade do voto e ao princípio democrático, entender que o adiamento das eleições acabaria por importar na criação de mandatos tampão ou, até mesmo, possibilitar prorrogações de mandato. É, com base na Constituição Federal de 1988, que a alteração da data da eleição só poderia ocorrer para outra data, desde que a mesma fosse alocada no último ano do exercício do cargo político. Ou seja, entre o mês de outubro ao 31 de dezembro de 2020.

Kayo César Araújo da Silva (César & Guimarães Advogados Associados), é professor de Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral e Mestre em Direito Constitucional pelo IDP-DF.

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