Globalmente, apenas duas linhas de alta velocidade são lucrativas: Paris–Lyon na França e Tóquio–Osaka no Japão
Recentes anúncios de investimentos chineses em infraestrutura colocaram as ferrovias brasileiras em foco. Durante visita oficial do governo brasileiro ao país asiático em maio, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, chegou a afirmar à Carta Capital que a China quer “rasgar o Brasil com ferrovias”.
Pequim, que construiu um megaporto no Peru, discute financiar uma ligação ferroviária transcontinental ligando o Pacífico ao Brasil. No eixo interno, empresas chinesas já negociam participação no projeto de trem de alta velocidade (TAV) entre Rio de Janeiro e São Paulo, o primeiro trem-bala do Brasil.
Só a linha que liga Rio e São Paulo custará R$ 60 bilhões, e Tebet já disse que não há dinheiro público suficiente para isso. Dessa forma, grupos da China se juntaram a empresas da Espanha e do Oriente Médio para financiar a obra.
Mas será que um trem-bala é realmente a melhor opção para o Brasil? Aparentemente, não. Tanto que os planos para uma linha de alta velocidade não vão além da rota entre as maiores cidades do país.
Densidade populacional e relevo desafiam viabilidade
A experiência internacional mostra que trens-bala prosperam em corredores densamente povoados e de extensão moderada (200 a 500 km), como indicam mais estudos, como o da International Union of Railways (UIC).
Já as análises da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) indicam ser preciso ao menos 6 a 9 milhões de passageiros por ano para equilibrar financeiramente um trem de alta velocidade.
No Brasil, entretanto, essas condições são exceção. Mesmo o eixo Rio–São Paulo, que concentra dois grandes polos metropolitanos, teria dificuldade em atingir a demanda necessária.
Hoje, cerca de 7 milhões de passageiros viajam anualmente na ponte-aérea Rio–SP — que tem bilhetes a cerca de R$ 250 com antecedência e está entre as rotas mais movimentadas do mundo.
As previsões oficiais do trem-bala, por sua vez, chegam a projetar 25 milhões de passageiros anuais, mesmo com passagens a R$ 500, segundo o CEO da TAV Brasil, Bernardo Figueiredo.
Outras ligações populares nos aeroportos, como São Paulo–Brasília (cerca de 1.000 km) ou Belo Horizonte–Salvador (1.200 km), cruzariam longos trechos de baixa densidade populacional, tornando a rentabilidade ainda mais incerta. Além disso, o relevo brasileiro representa um obstáculo técnico e financeiro: serras e vales exigiriam obras complexas, com túneis ou viadutos que elevam os custos.
Em regiões acidentadas, o custo de construção de linha de alta velocidade pode dobrar, ultrapassando US$ 66 milhões por quilômetro em casos extremos, diz o Instituto Fraunhofer, da Alemanha.
Alternativas: trens regionais e cargas ferroviárias
Diferentemente do trem-bala (que opera acima de 300 km/h), os trens rápidos convencionais podem atingir 160 ou 200 km/h com investimentos bem menores – muitas vezes aproveitando trechos existentes e atendendo cidades intermediárias e talvez sendo viáveis.
O projeto do Expresso Pequi (Brasília–Goiânia), por exemplo, foi concebido para rodar a cerca de 160 km/h e com aproximadamente 210 km de extensão. Até ser engavetado, em 2019, o custo era estimado em R$ 9,5 bilhões e a previsão é de que, após começar a funcionar, a linha desse prejuízo por 28 anos.
É por isso que muito do investimento chinês irá para ferrovias de carga. Atualmente, aproximadamente 65% do transporte de carga no Brasil ocorre por rodovias, contra apenas 15% pelas vias férreas.
A China tem mirado essas oportunidades e quer focar trechos ferroviários para escoar commodities brasileiras, integrando nossa malha à sua Nova Rota da Seda.