Dos 14 integrantes das Mesas Diretoras de ambas as Casas (presidente, vices e secretários), oito respondem ou são investigados por crimes diversos que vão de estupro e recebimento de propina até contratação de funcionários fantasmas e fraude em licitação

A articulação do Palácio do Planalto com o Centrão para controlar o Congresso levou à cúpula da Câmara e do Senado parlamentares com extensa folha de pendências com a Justiça. Dos 14 integrantes das Mesas Diretoras de ambas as Casas (presidente, vices e secretários), oito respondem ou são investigados por crimes diversos que vão de estupro e recebimento de propina até contratação de funcionários fantasmas e fraude em licitação.

Todos foram alçados às funções pelos colegas parlamentares e com uma ajuda extra do presidente Jair Bolsonaro. Como o Estadão revelou, o governo liberou ao menos R$ 3 bilhões em recursos extras para captar parte dos votos que elegeram Arthur Lira (Progressistas-AL) presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o comando do Senado e a consolidar uma maioria governista em postos-chave do Congresso.

As demandas judiciais, no entanto, passaram ao largo das discussões para a formação das respectivas Mesas. O único que sofreu algum desgaste por figurar no banco dos réus foi Lira, alvo da Lava Jato e de outros inquéritos. Mas, apesar do discurso anticorrupção repetido a exaustão na campanha eleitoral de 2018, o histórico do líder do Centrão não impediu Bolsonaro de abraçá-lo.

Lira é réu no chamado caso do “quadrilhão do PP”, formado por parlamentares que se articularam para desviar dinheiro da Petrobrás, segundo a Procuradoria-Geral da República. Também é acusado de corrupção por indícios de ter recebido R$ 106 mil em propina para emprestar apoio político ao então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos. Um assessor de Lira, de acordo com a denúncia, foi escalado para levar o dinheiro de São Paulo a Brasília. Foi descoberto ao camuflar cédulas pelo corpo.

Nos escaninhos do Judiciário de Alagoas, o nome de Lira também se repete. Além de órgãos de fiscalização, há litígios com pessoas comuns. Um deles se arrasta desde 2018. Fazendeiro, o deputado arrendou uma propriedade para criar 400 cabeças de gado. Pouco depois, disse que a terra só estava em condições de receber 50 e deixou de pagar o valor contratado. O proprietário faleceu e a família segue sem receber. “Ele se recuperava de um câncer e nem isso amoleceu o coração do deputado. Recuperamos a terra e continua o processo de cobrança dos débitos”, contou o advogado Igor Manoel de Barros Bezerra, que representa a família.

A 2.ª Secretaria da Câmara é da deputada Marília Arraes (PT-PE). Aliada de Lira, ela impôs uma derrota ao próprio partido ao vencer a disputa interna e ficar com o cargo. O Ministério Público de Pernambuco ajuizou ação que pede a devolução de R$ 156 mil gastos, segundo o órgão, para pagar quatro assessores que não davam expediente na Câmara do Recife. O caso é de quando ela era vereadora na capital pernambucana.

Em novembro de 2020, a carreira política do senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO) sofreu um abalo. Uma modelo de 22 anos acusou o parlamentar, de 38, de a ter estuprado em um hotel, em São Paulo. O caso teve grande repercussão. Menos de três meses depois, antes de qualquer desfecho na investigação aberta pela polícia paulista, ele foi eleito pelos pares 1.º secretário do Senado, função com elevado poder político e administrativo.

No Senado, dos sete integrantes da Mesa, seis são alvo de ao menos uma investigação. O 2.º vice-presidente, Romário (Podemos-RJ), é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que apura indícios do uso irregular da verba de gabinete.

Gestores

Além de Irajá e Romário, os outros quatro senadores são alvo de ações resultantes de atos praticados ainda como gestores, quando eram do Poder Executivo em seus respectivos Estados. São casos que se arrastam há anos na Justiça e passam pelo chamado “elevador processual”, um vaivém de instâncias e esferas competentes para cuidar dos processos.

Aliados minimizam as pendências jurídicas e confidenciam o espírito de corpo do Congresso, porque, segundo eles, parlamentares que foram ou pretendem ser gestores estão passíveis de serem processados pelo que chamam de “burocracias” da gestão pública.

É o caso de Rogério Carvalho (PT-SE), condenado em primeira instância, em 2019, por irregularidades em contratos assinados quando foi secretário de Saúde de Sergipe. Já o 4.º secretário, Weverton Rocha (PDT-MA), comandou a pasta de Esportes do Maranhão e ainda responde a ação por indícios de fraudes em um contrato de 2008.

O 1.º vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e o 2.º Secretário, Elmano Ferrer (Progressistas-PI), têm pendências relacionadas aos períodos em que foram prefeitos de suas cidades, Campina Grande (PB) e Teresina (PI), respectivamente. Os casos envolvem suspeita de contratação de empresa fantasma a repasses eleitorais não declarados – caixa 2 de campanha.

Na Mesa Diretora do Senado, a exceção é Pacheco. Aos 44 anos, tem uma ascensão meteórica. Antes do atual mandato de senador, teve apenas um de deputado federal. Fez carreira na advocacia. Costumava frequentar tribunais não como réu, mas como advogado deles. Atuou em crimes variados, de homicídio a corrupção. No mensalão, defendeu o ex-diretor do Banco Rural Vinicius Samarane.

Defesas

Os integrantes das Mesas da Câmara e do Senado alegam que os processos e investigações das quais são alvos têm inconsistências ou são motivados por adversários para gerar desgastes políticos.

Por meio da assessoria, Arthur Lira disse que há uma década vem apresentando esclarecimentos à Justiça. “Ao longo desses anos, os processos que vieram a julgamento foram arquivados, em geral, porque não existiam provas. Tenho a tranquilidade de que os próximos que vierem a julgamento terão o mesmo desfecho.”

Marília Arraes afirmou que a ação a que responde é fruto de sensacionalismo político. Uma ação penal chegou a ser arquivada, mas um processo na área cível foi aberto em 2020. “Novamente no período eleitoral”, disse a deputada.

O senador Veneziano Vital do Rêgo chegou a ter quase 30 investigações no Supremo Tribunal Federal. Ele disse que a maioria é fruto de denúncias infundadas de seus adversários políticos e a maior parte delas já foi arquivada.

O advogado do senador Irajá Silvestre Filho, Daniel Bialski, disse não haver qualquer indício de crime e que, após a conclusão de perícia no celular da mulher que acusou o parlamentar de estupro, o caso deverá ser arquivado.

A assessoria do senador Weverton Rocha informou que o parlamentar “provará que não houve ilícito”, mas uma “denúncia política”. Rogério Carvalho afirmou que não cometeu qualquer ato ilegal quando secretário em Sergipe. Elmano Férrer e Veneziano Vital do Rêgo também negam irregularidades. Romário, por sua vez, não se manifestou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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