Eleições municipais costumam ser encaradas como um porto raso da vida democrática. Tudo se passa como se delas não dependesse a questão maior da política, que é a luta pelo poder e, sobretudo, o poder de transformar a sociedade, configurando-se a disputa local como mero entreposto de baldeação para projetos e aspirações superiores. Ressalvadas as exceções, assim se comportam os políticos de um modo geral em relação aos cargos locais. O mesmo se dá com os partidos e seus programas. O conjunto tende a induzir o eleitor a ponto de vista de igual acanhamento. Há, é verdade, razões objetivas que alimentam essa espiral. Muitos desafios da vida cotidiana, sobretudo na etapa de supremacia global das finanças desreguladas, não dispõem de instrumentos de reordenação local. Emprego e desemprego, por exemplo, obedecem a dinâmicas que extravasam, cada vez mais, o perímetro municipal.
Se isso é um fato, que desautoriza a ingênua postura do ‘municipalismo’, essa versão samba canção do modernoso equívoco que postula mudar o mundo sem tomar o poder, há que se questionar, em contrapartida, a indigência da vontade política, inclusive dos partidos de esquerda, de alterar o círculo de ferro que reproduz a dissociação entre a vida cotidiana e o poder que a determina .

Mais que nunca, a cidadania sofre e respira os ares do mundo, mas as pessoas, como dizia o geógrafo Milton Santos, vivem em seus lugares. Sintonizar a agenda dos lugares com as aspirações legítimas de seus moradores é um desafio que já não pode mais ser descartado com o velho remendo do discurso protelatório dos requisitos globais.

Nos anos 80, em Porto Alegre, a criatividade política da esquerda desbravou uma nova fronteira da democracia ao criar o Orçamento Participativo, que justamente atacou o poder difuso dos mercados de determinar a vida cotidiana dos cidadãos. Pouco se avançou desde entã. Muito pouco.

Administrações de direita nada mais fazem do que reiterar o caminho inverso, rifando prefeituras e orçamentos na quermesse da lógica mercadista. Como explicar que uma capital como São Paulo, por exemplo, prepare-se para mais um verão de horror, a olhar para o céu entre resignada e pânica cada vez que ameaça chover? Como aceitar que o trânsito devastador e a ocupação imobiliária predatória e desconexa continuem a ser determinados pelos interesses especulativos e não pelo critério da qualidade de vida dos moradores?

Isso para não argüir o atual comodato tucano-kassabista sobre a sua incapacidade até para proceder à manutenção do que já existe –pontes e viadutos, por exemplo, que literalmente despencam de podres, embora tenham sido aprovados pela máquina pericial do alcaide. São sintomas inequívocos da anêmica fatia do poder –e do orçamento– que as autoridades locais tem se mostrado dispostas a subtrair dos mercados e das elites para ceder à cidadania e a sua urgências.

A restituição ou instituição de uma quota pertinente de poder direto aos cidadãos é o requisito a partir do qual todos as demais agendas tornam-se manejáveis. Sem isso, de fato, caminha-se para reduzir administraçoes municipais a uma simulacro de democracia, ocupadas por gerências burocráticas apartadas da vida dos cidadãos. Com a palavra, os prefeituráveis de 2012.

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