A classificação “pura” entre direita e esquerda ainda é útil, mas não é suficiente para compreender nosso sistema, pois não retrata a complexidade presente até mesmo no interior dos partidos.

O sufrágio é universal, mas nem sempre foi assim no Brasil. Já houve um tempo em que votavam apenas pessoas de pele branca, do sexo masculino e maiores de 25 anos. Também não votavam analfabetos, religiosos e indígenas. A legislação evoluiu e hoje todo brasileiro maior de dezesseis anos pode votar.
Com certeza foi uma conquista e tanto em se tratando de um país jovem e com uma democracia que recém completou a sua maioridade, pelo menos cronologicamente. Mas o direito político de votar e ser votado – que define um cidadão – é apenas uma das facetas do imenso e às vezes complexo universo do sistema eleitoral. Algumas de suas implicações e consequências é o que veremos a seguir.
Uma comissão de juristas foi encarregada de elaborar um anteprojeto do Novo Código Eleitoral – o atual é de 1965. Audiências públicas estão sendo realizadas em todo o país para que o povo brasileiro faça parte desse processo que é um passo fundamental para a consolidação da democracia brasileira. De acordo com o presidente da comissão, ministro do STF Dias Toffoli, “no Brasil, o sistema político e eleitoral é marcado por fortes contradições: há nele modernidade e atraso, estímulos à participação democrática e aspectos que propiciam o afastamento do cidadão/eleitor da vida política nacional.”
O art. 2º do Código Eleitoral diz que todo poder emana do povo e será exercido, em seu nome, por mandatários escolhidos, direta e secretamente, dentre candidatos indicados por partidos políticos nacionais, ressalvada a eleição indireta nos casos previstos na Constituição e leis específicas; dispositivo que também se encontra no parágrafo único do art. 1º da Constituição de 1988. Mas essa representatividade é de qualidade? O eleitor realmente se sente representado? Quando ele vota, o seu voto ajuda a eleger o candidato de sua preferência? Será que a resposta para todas essas indagações é sim? Então por que não mudar e logo?
É fato que algumas alterações ou tentativas foram feitas na legislação eleitoral: regras sobre verticalização das coligações (derrubada mediante aprovação da Emenda à Constituição n. 52, de 2006), cláusula de desempenho (declarada inconstitucional para preservar a possibilidade de alternância no poder e maior representatividade possível), propaganda eleitoral, prestação de contas, reeleição e inelegibilidade. Mas temas cruciais como listas abertas ou fechadas, financiamento de campanhas público, privado ou misto, proporcionalidade estrita da representação parlamentar, representação distrital majoritária, proporcional ou mista e fidelidade partidária, continuam distantes de um debate mais profundo e que apresente soluções para corrigir distorções e injustiças presentes no sistema eleitoral brasileiro. Não é objetivo deste artigo destrinchar a miríade dos sistemas eleitorais existentes pelo mundo afora, até porque esse não é o objetivo do presente trabalho. Ao mesmo tempo, não é possível falar sobre voto, código eleitoral, eleições, sem abordar mesmo que superificialmente alguns dos sistemas vigentes no Brasil e em outros países. Na introdução de sua obra Sistemas Eleitorais, Jairo Nicolau cita o autor Rein Taagepera: ” Em geral, as regras eleitorais não devem ser pensadas como uma panacéia para todos os males. Mas não devemos subestimar sua influência.”
O eleitor, seja brasileiro ou de outro país, de uma forma geral, não faz idéia da complexidade que é eleger um candidato. Não falo aqui do singelo ato de digitar na urna eletrônica o candidato ou partido de sua preferência – até mesmo com a ajuda da famosa “colinha”. Refiro-me a termos como quociente eleitoral, lista aberta, sistema proporcional ou majoritário, maioria simples, dois turnos etc.
Em todas as eleições há regras previamente definidas para distribuir os cargos em disputa. Um partido com um determinado percentual de votos terá diferente fração de poder, de acordo com o sistema eleitoral utilizado. Por exemplo, em uma eleição realizada segundo o método proporcional, um partido que tenha recebido 10% dos votos provavelmente teria algo próximo desse percentual de cadeiras no Legislativo. Mas em uma disputa pela regra majoritária dificilmente esse partido elegeria o seu representante. Por isso, compreender como cada uma dessas regras funciona é fundamental. Mesmo assim, raramente um eleitor comum conhece em detalhes as minúcias técnicas do sistema eleitoral adotado em seu país. São poucos os cidadãos brasileiros que sabem o que é e como se calcula o quociente eleitoral a ser utilizado para estabelecer quantas cadeiras caberão a cada partido no Legislativo. Da mesma forma, dificilmente passaria pela cabeça desse eleitor que em outras democracias o procedimento para a escolha de representantes pode ser completamente diferente daquele utilizado em seu país. Certamente ele ficaria surpreso ao saber, por exemplo, que em Israel os eleitores votam em uma lista de candidatos de todo o país, que na Espanha não se vota em nomes, mas apenas na legenda, que na França existem dois turnos nas eleições para deputados, que na Alemanha um partido só poderá estar representado no Parlamento se receber pelo menos 5% dos votos, ou que na Suécia uma parte dos votos é apurada nas regiões e a outra nacionalmente.
O sistema eleitoral é o conjunto de regras que define como em uma determinada eleição o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos (cadeiras no Legislativo ou chefia do Executivo).
O sistema eleitoral não esgota as normas que regulam as leis eleitorais de uma democracia. Existe uma série de outros aspectos que são importantes numa eleição: quais são os eleitores aptos a votar; se o voto é obrigatório ou facultativo; os critérios para apresentação de candidatos; as normas de acesso aos meios de comunicação; os mecanismos de controle dos gastos de campanha e acesso ao fundo partidário; as normas para divulgação de pesquisas; as regras da propaganda eleitoral. Seria importante para o eleitor saber como se dá esse processo, como um cidadão chega no Parlamento ou conquista um mandato no Executivo mas, infelizmente, não é a nossa realidade. Aqui, em função da proliferação de partidos e candidatos fisiológicos que pouco se importam com a representatividade, essa, digamos, educação eleitoral, teria um significado ainda maior.
A Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995, dispõe sobre partidos políticos. Hoje existem 27 com representação no Congresso Nacional. Só pelo número já dá pra se ter uma idéia da fraqueza e da falta de credibilidade demonstradas no contexto atual pelos partidos políticos. É muito. Existem vários tipos: o sério, o de aluguel, o de fachada, o popular, o conservador, o liberal, enfim, a oferta é grande. E aí é que reside o perigo. É velha a máxima de que partidos fracos, levam a uma representatividade fraca e a uma consequente instabilidade democrática.
O partido político é pessoa jurídica de direito privado. O requerimento do registro é de natureza complexa, pois é dirigido ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas da Capital Federal-Brasília, e, após o cumprimento de exigências legais mediante certidão de inteiro teor expedida pelo oficial, ainda deverá seguir um roteiro de constituição dos órgãos de direção regionais e municipais com registro nos Tribunais Regionais Eleitorais e, somente vencidas estas etapas, registrados os órgãos de direção regional em, pelo menos, um terço dos Estados, o presidente solicitará o registro do estatuto e do órgão diretivo nacional no Tribunal Superior Eleitoral. Bem, essa é, em linhas gerais, a natureza jurídica do partido político, nas palavras de Marcos Ramayana (in Direito Eleitoral, 2010). Os partidos, de modo geral, não têm conseguido organizar o debate sobre os rumos do governo e não conseguiram promover debates amplos sobre os problemas do país e as suas propostas para o futuro. Essa percepção é acompanhada por uma profunda desconfiança do eleitorado em relação aos partidos e ao Congresso Nacional. Mais do que constatar um simples problema de imagem dessas instituições junto à sociedade, é preciso investigar as razões do estranhamento entre os cidadãos e seus representantes. Essa questão passa, ainda, pela considerável dificuldade do eleitorado em identificar os partidos e seus programas, com poucas exceções, o que resulta, em parte, do processo de criação do atual quadro partidário.
A fragmentação do quadro partidário, nas últimas décadas, também torna difícil para os eleitores situar cada agremiação no panorama político. Ainda que o número de partidos efetivos, que concentram grande parte dos mandatos eletivos e recursos do fundo partidário, não tenha passado, nesse período, de algo como seis ou sete, há mais de duas dezenas de agremiações, não raro superposta no espectro político, como citado anteriormente. Porém, o problema não é tanto a quantidade de legendas, mas a incerteza sobre os programas. Isso dificulta, para muitos eleitores, a criação de vínculos densos e estáveis com os partidos.
No Brasil, as clivagens partidárias não se restringem à polarização ideológica tradicional entre direita e esquerda. A identidade política dos partidos brasileiros é multifacetada e contempla, em cada agremiação, uma combinação peculiar de elementos identitários relativos a opções de ordem social, econômica, classista, corporativa, religiosa etc., tais como o grau de intervenção do Estado na economia, liberalismo comercial ou protecionismo, a permeabilidade a doutrinas religiosas, a tensão entre liberdade e autoridade, primazia do indivíduo ou da coletividade, foco no Estado ou na sociedade civil, adesismo ou oposicionismo ao governo, estrutura de quadros ou de massa e outros aspectos que compõem a identidade partidária.
A classificação “pura” entre direita e esquerda ainda é útil, mas não é suficiente para compreender nosso sistema, pois não retrata a complexidade presente até mesmo no interior dos partidos, frequentemente recortados em facções. Essa tradicional polarização não permite enquadrar boa parte dos partidos brasileiros sem aceitarmos, pelo menos, que há áreas de intersecção e que alguns partidos podem adotar posturas contraditórias em momentos diferentes, o que revela mais uma face da baixa cristalização doutrinária e da inconsistência programática. Muitos partidos mantêm deliberadamente uma grande margem de indefinição acerca de suas propostas para preservar uma flexibilidade maior no seu discurso perante a sociedade e o governo. Essa maleabilidade programática permite aos partidos adaptar seu discurso e sua ação conforme as circunstâncias, mas deixa o eleitor inseguro com relação aos efeitos que seu voto produzirá enquanto durar o mandato do representante. Bem, como se vê não são poucas as diatribes com relação aos partidos políticos brasileiros.
Fala-se com uma certa frequência que o Brasil ainda tem muito que aprender sobre democracia, que o nosso sistema democrático é jovem e por aí vai. Mas será mesmo que os nossos mandatários estão preocupados em atingir a maioridade em termos de responsabilidade política e respeito ao povo brasileiro? Indiscutível a necessidade de uma ampla reforma no código eleitoral brasileiro. Precisamos de mudanças e urgentemente. Basta de legislar em causa própria, enquanto a sociedade clama por mudanças na legislação que lhe tragam mais dignidade e orgulho de ser brasileiro.
Reconheçamos que muito já foi feito sim; as profundas mudanças, aquelas que realmente interessam, demandam tempo, reflexão, para que não sejam tomadas decisões açodadas e que venham a comprometer ainda mais a estrutura político-eleitoral brasileira. Urge salientar que o Brasil passa por um momento único de mudanças na legislação que vão colocar a nação no rumo das democracias modernas e que funcionam. Refiro-me aqui às reformas dos Códigos de Processo Civil, do Código de Processo Penal, aquela finalizada, esta em andamento. Temos ainda pela frente a reforma do Código de Defesa do Consumidor e a tão importante Reforma Política.
Os discursos retóricos são corriqueiros, mas a hora não é pra demagogias e projetos utópicos. A sociedade tem que cobrar mudanças, exigir uma postura mais séria dos políticos. O voto, aliado a um sistema eleitoral justo e moderno, a partidos políticos fortes e representativos, são ferramentas poderosas e indispensáveis num verdadeiro regime democrático.
Já somos referência mundial em termos de apuração e contagem eletrônica dos votos, a cada eleição os resultados dos pleitos são divulgados no menor espaço de tempo possível. A informatização da justiça eleitoral brasileira, que teve início em 1986, é hoje referência mundial. Portanto, está comprovado que o Brasil pode e merece passar por esse processo evolutivo também nas práticas políticas. É preciso vontade, fé, persistência e altruísmo. 
Wanderley Baldez é jornalista, pós-graduado em Ciência Política/UnB e estudante de Direito/UniCEUB.

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